Artigo de Opinião


Ele está no meio de nós

Um dos mais belos diálogos numa assembleia litúrgica, é quando o celebrante afirma “O Senhor esteja convosco!”, considerando que a afirmativa do público presente é: “Ele está no meio de nós!”. Isto mesmo, a afirmativa é: “Ele está no meio de nós!”. Nem está acima e nem abaixo, está no meio. Esta afirmativa se trata de uma verdade de fé, pois se afirma que cremos num Deus que está conosco, que caminha conosco, que se faz um de nós. A beleza desta afirmativa é que está vinculada a tradição profética do povo de Deus e nos remete ao evangelista Mateus, quando afirma: “Eis que a virgem vai engravidar e dar à luz a um filho, e o chamarão com o nome de Emanuel, que traduzido significa ‘Deus conosco’” (Mt 1,23), numa alusão a uma afirmativa do profeta Isaías (7,14).

Alguém que caminha conosco, é uma pessoa que nos está próxima. É capaz de ouvir os nossos sussurros, compartilhar as nossas aflições, compadecer-se dos nossos gemidos, oferecer o ombro amigo, diante da angústia, enfim, é um companheiro, ou seja, aquele que come e compartilha do mesmo pão. Aqui podemos nos remeter a tradição mosaica. Quando Deus se apresenta a Moisés, como aquele que ouve a aflição do povo e se apresenta como “Aquele que está”, ao afirmar: “Eu sou aquele que sou” (Ex 3,1-14). Conforme o autor do livro do Êxodo, Deus não apenas se revela, mas envia aquele a quem se revelou, como alguém que está solidário a situação de sofrimento vivenciada por quem padece alguma situação que impede a liberdade do ser (Ex 3, 14b). E diante tal revelação, “Eu-Sou” se apresenta como alguém que tem vínculo com a tradição de Abraão, Isaac e Jacó (Ex 3, 15).

Quando na celebração do Grito dos Excluídos e das Excluídas, somos desafiados a fortalecer esta tradição do “Deus conosco”, aquele caminha com tantos “sem-nome”, “sem-teto”, “sem-terra”, “sem-trabalho”, e que nos envia, assim como fizera com Moisés, a interceder pela libertação de tantas pessoas desalentadas no contexto atual. Somos convocados a dar um basta a tantas situações de morte e afirmar que é a vida que deve estar em primeiro lugar.

Neste contexto, parte-se do princípio de que o ser humano, enquanto imagem e semelhança de Deus, nasce para brilhar e não para se conformar a dor e ao sofrimento. Afinal, apesar da dor e do sofrimento, devemos sempre dizer sim a vida.

Diante tanta negação, são muitas as pessoas que entram numa situação de conformismo. Em tal contexto, precisamos, a exemplo de Moisés, possibilitar que esta chama de vida, a exemplo da sarça ardente, possa reacender e não se consumir diante tantas situações de maldade que insistem em querer abafar o sentido da vida.

Acreditar num Deus que caminha conosco tem sido motivo de escândalo. Especialmente aos negacionistas do mistério da encarnação. Afinal, parece ser mais cômodo falar muito no nome de um Deus que sempre está distante ou que está acima de todos. Pois, quando assim se dirige ao divino, é como está diante de um ente que mais parece um carrasco, que vem para derramar sua fúria sobre as pessoas que sofrem. E mais: é como se a dor e o sofrimento fosse consequência da ira divina. Com isso, os desalentados passam a se sentir mais órfãos: primeiro, por lhe faltar o básico para viver, e segundo, por aceitar a dor e o sofrimento como castigo divino.

A amorosidade do Deus-conosco nos provoca a um olhar de misericórdia sobre quem está em situação de vulnerabilidade, a exemplo da experiência do bom samaritano, conforme aponta o evangelista Lucas (10,25-37). Diante do caído, não se quer saber o motivo da queda, mas reacender a chama de vida que parece está se apagando. A solidariedade não somente é um remédio para o caído, mas, em primeiro lugar, é resultado do sentimento de compaixão de alguém que parte ao socorro de uma vida ameaçada. O ato de fé de quem parte para socorrer, é um ato de santidade sem limite: é como que uma fagulha divina possibilitasse na pessoa caída, uma nova chance para viver. O ato da solidariedade é tão profundo, que muitas vezes aquele que parte ao encontro de quem está precisado, não sabe explicar de onde lhe veio tal iniciativa.

Nem sempre quem se utiliza de uma narrativa religiosa é uma pessoa que está em sintonia com o Deus-conosco. Vale salientar, que a casa do faraó, nos tempos de Moisés, ou aqueles que condenaram Jesus, eram pessoas e grupos que se apresentavam com uma profunda religiosidade. Entretanto, a encarnação do Verbo divino não ocorrera em algum palácio ou casa luxuosa, mas numa manjedoura, num contexto de um povo caminhante.

É importante reforçar: o Deus de Jesus Cristo, não está acima de todos, mas caminha no meio de nós. E ele nos envia a reacender a chama de vida de tantas pessoas caídas por alguma situação de vulnerabilidade. Vida em primeiro lugar: eis uma grande profissão de fé.

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