
A catequese quaresmal nos proporciona um mergulhar em águas mais profundas, a cada semana.
No primeiro domingo, é lançado o desafio de se tomar consciência de que as tentações nos acompanham no dia-a-dia; sendo assim, somos provocados a superá-las por meio de escolhas que nos aproximem do princípio da alteridade, resistindo ao sensacionalismo, a autopromoção e ao autoritarismo.
No segundo domingo, somos alertados que não basta está na planície, no serviço às pessoas em estado de vulnerabilidade; é preciso subir à montanha, a fim de que não se perca o fundamento daquilo que se faz enquanto serviço de amor ao próximo: a nossa missão tem como fundamento a ressurreição do Filho amado do Pai, seguindo a tradição do que fora vivenciado pela Lei e pelos Profetas. Tal fundamentação é apontada no texto litúrgico pelo encontro de Jesus com Moisés e Elias. Ao mesmo tempo, em que se aponta a necessidade de subir à montanha, não se pode armar tendas e se distanciar das reais necessidades sentidas pelo povo que está a caminho: é preciso descer à montanha para que a missão continue.
Neste terceiro domingo, encontramo-nos com Jesus em plena atividade missionária. Na cena descrita, Jesus está cansado, com fome e com sede. Estava tão cansado que não acompanhou os discípulos até à cidade para a compra de alimentos. O esgotamento físico também estava sendo causado por uma sede sem precedentes, sendo agravada pelo fato de não ter vasilha para retirar o precioso líquido da fonte disponível no momento.
Foi diante tamanha situação de vulnerabilidade que Jesus se aproxima de uma mulher samaritana que estava pegando água no poço. Na cena, podemos perceber o encontro de duas pessoas fragilizadas: Jesus pelo cansaço, fome e sede; e a samaritana pelo fato de ser mulher e por fazer parte de um povo não muito bem visto pelos judeus. O diálogo entre Jesus e a samaritana nos apresenta o quanto é necessário se romper barreiras. Jesus, sendo judeu, não se intimida de ir ao encontro da mulher, olhando para ela como pessoa, como criatura de Deus. A mulher, mesmo com espanto, acolhe a situação vivenciada por Jesus, tratando com admiração a atitude dele, ao se dirigir a ela, mesmo sendo samaritana.
O encontro entre Jesus e a samaritana tem algo em comum: a situação de vulnerabilidade vivenciada por cada um. Vale lembrar que em plena missão, Jesus não era bem visto pelas autoridades político-religiosas de então. O sentimento de negação experienciado pela samaritana, também estava sendo experimentado por Jesus. Tal situação, promovia um estado de cansaço existencial. Em relação a mulher, esta situação já havia sendo assumida por ela: de tanto ouvir sobre a relação de inferioridade dos samaritanos, em relação aos judeus, até estranha o diálogo provocado por Jesus.
A atitude de Jesus, não somente possibilita o rompimento de barreiras, de preconceitos, mas possibilita o exercício da solidariedade. E é neste chão, que são abertas possibilidades para a adoração ao Deus da vida em espírito e verdade. A humildade de Jesus, em partir ao encontro da mulher, abre caminhos para que ela lhe ofereça ajuda, podendo assim crescer como pessoa. É por meio de tal caminho que a mulher compreendeu a grandeza de Jesus, inclusive reconhecendo como o Messias: é pela amorosidade que se reconhece que Jesus é o enviado do Pai.
A experiência de vida vivenciada pela mulher fez com que ela tivesse acesso a água verdadeira, chegando até mesmo a deixar o cântaro que trazia ao poço para levar cheio de água. Ao beber da fonte apontada por Jesus, a mulher se sente impulsionada para apresentar as maravilhas por ela vivenciada a partir deste encontro. A mensagem da mulher atraiu a curiosidade da gente do local onde ela vivia, mas foi pelo encontro com Jesus que outras pessoas também puderam sentir a força do estar junto com o Salvador.
É por gestos humanos de amorosidade que somos impulsionados à solidariedade e é por esta que podemos contribuir com o rompimento de tantas barreiras que dividem à humanidade. Quanto mais nos entregarmos a grandeza do espírito, mas nos tornaremos capazes da compreensão dos nossos limites ou estados de vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, desafiamo-nos a perceber que mesmo diante de qualquer situação de fragilidade, sempre temos algo a oferecer. É como diz o ditado popular: ninguém é tão rico que não precise de algo, nem tão pobre que não tenha alguma coisa a oferecer. A solidariedade se torna grande entre iguais. Talvez esta seja a razão de as mãos das pessoas mais empobrecidas estarem mais abertas em tantas situações emergenciais vivenciadas na atualidade.
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