Artigo de Opinião


Tomar consciência como medida necessária a enxergar a realidade

“Convertei-vos e crede no evangelho” é a expressão máxima que perpassa o espírito quaresmal. A conversão pode ser compreendida como tomada de consciência sobre determinada situação, como necessidade para mudanças de rumo.

É por meio da tomada de consciência, que se encontram forças para a superação de toda e qualquer tentação, tendo na autotranscendência, possibilidade para subir à montanha, a fim de estar conectado a quem se vinculada à missão, transfigurando-se, em comunhão com o ressuscitado; estando sentado ao poço, na busca da água verdadeira. A catequese quaresmal nos proporciona um mergulhar em águas mais profundas, a cada semana.

No quarto domingo da quaresma, estamos diante do necessário mergulhar na piscina, a fim de que se possa melhor compreender as relações que nos circundam.

Inicialmente, é importante a compreensão de que a real situação que nos leva ao estado como estamos ou vivemos na realidade não é fatalidade. Se alguém é pobre ou rico não é consequência de uma realidade particularizada, mas há que se compreender dentro do contexto em que a pessoa vive. Entretanto, somos levados a compreender a realidade pelo fatalismo, ou seja, alguém vive como tal, em decorrência do seu estado de graça ou pecado.

Diante da realidade social apresentada na cena da leitura bíblica deste domingo (Jo 9,1-41), Jesus se apresenta como luz do mundo e, diante dele, como luz verdadeira, há que se compreender com nitidez as relações de trevas e luz, com o intuito de que se possa enxergar o mundo com seus próprios olhos, ou melhor, de que se possa estar ciente daquilo que constitui as relações de trevas ou luz presentes na sociedade.

É pela tomada de consciência, que se mergulha na piscina, a fim de que sejam retirados tudo o que impede a vivência de relações que promovam o crescimento da pessoa, enquanto criatura de Deus, como nos assevera o apóstolo Paulo: “[...] éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz. E o fruto da luz chama-se: bondade, justiça, verdade.” (Ef 5,8s). É pela tomada de consciência, que se poderá, pela força da palavra, dirigir-se ao encontro do “enviado”, na piscina, com o intuito de “mergulhar” na água verdadeira, aquela que não dá mais sede, a fim de se tornar uma nova criatura, para que se viva, como filhos da luz, mediante frutos de bondade, justiça e verdade.

Banhar-se na piscina é uma expressão batismal, que vem carregada do encontro com a palavra e com a luz verdadeira: é o nascer de novo. Aqui nos deparamos com cada nova oportunidade de superação que encontramos diante de qualquer dificuldade: reencontrar-se com a força da palavra; reconectar-se com a fonte primeira de nossa criação; partirmos ao encontro da água que não dar sede, que se encontra na piscina; retirar de nós aquilo que nos impede de melhor compreender a realidade; e partirmos ao encontro daquilo que nos remete aos frutos do espírito: bondade, justiça e verdade.

Ser bom, justo e verdadeiro é condição necessária para nos apresentarmos como filhos da luz verdadeira, conforme contemplamos no domingo da Transfiguração. As centelhas de luz que foram contempladas por Pedro, Tiago e João, podem se fazer presente na vida de qualquer pessoa quando parte a fazer o bem, sem olhar a quem. Cada ato de solidariedade é uma centelha daquela luz que se fez presente na montanha, mas que se faz presença quando no dia-a-dia cada um de nós se depara com alguém que está caído, em decorrência de qualquer situação que faz destoar a obra divina em qualquer pessoa, enquanto imagem e semelhança do Criador.

No contexto da Campanha da Fraternidade, a fome não é consequência do pecado de quem passa fome, mas das injustas relações econômicas presentes no contexto vivido. Em tal situação, Jesus nos apresenta que é pelo caminho da partilha e da solidariedade que podemos transformar as trevas da fome, na luz da segurança alimentar e nutricional.

O “Dai-lhes vós mesmo de comer!” apontado no lema da CF2023 não quer ser uma atitude apática diante do caos instalado, mas uma convocação para que cada pessoa seja protagonista no ato de transformar a realidade. E isto ocorre não somente dando o pão imediato, mas colaborando com dinâmicas de incidência política que possibilitem a cada pessoa ter acesso ao que lhe é de direito, por meio da partilha justa dos bens.

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